[ Quais são os cinco erros mais comuns que os escritores do mainstream cometem ao escrever ficção científica? ]
1. O uso desequilibrado da ciência. Alguns escritores do mainstream, ao se deparar com o desejo ou a encomenda para escrever uma história de FC, muitas vezes levam a tarefa ao pé da letra: acham que precisam escrever um tratado científico, porque, em sua opinião, só é ficção científica se tiver ciência. Outros, um pouco mais escolados, sabem que não é bem assim, e se permitem as liberdades que o ofício generosamente oferece, que são as da invenção: no entanto, acabam por inventar absolutamente tudo, inclusive novas leis da física ou da lógica, que acabam não levando a lugar algum. Ou seja, ciência em excesso ou nenhuma ciência não põem mesa em termos de FC.
2. A linguagem rebuscada e formal. O escritor do mainstream parece pensar que FC é necessariamente algo asséptico como o interior de uma nave espacial do filme 2001: uma odisséia no espaço, e portanto deve-se ter ou formalidade e grandiloqüência, ou frieza, tanto nos gestos quanto nos diálogos dos personagens. Eles esquecem que a FC é mais um modo do que um gênero, ou seja, é perfeitamente possível (e até aceitável) que se use a FC para falar da nossa realidade, do aqui e do agora. Uma das características do estranhamento, segundo Viktor Chklóvski, é justamente trazer a familiaridade para o leitor (o que pode ser feito pela via da linguagem, fazendo com que as personagens falem gírias ou pelo menos uma linguagem sem barroquismos) a fim de que o choque da estranheza seja maior (por exemplo, a percepção de que estamos em outro planeta, ou num universo paralelo).
3. O desconhecimento praticamente absoluto do que se produziu nos últimos trinta anos na literatura do gênero. Na década de 1970, talvez devido ao cinema, talvez devido à grande quantidade de traduções de autores clássicos como Isaac Asimov, Ray Bradbury e Arthur C. Clarke, e até mesmo outros que hoje são desconhecidos do grande público, como Fredric Brown e Robert Sheckley, alguns escritores do mainstream tinham um bom conhecimento do que se produzia lá fora. Rubem Fonseca e Ignácio de Loyola Brandão escreveram histórias de ficção científica bem antenadas com sua época (Fonseca escreveu alguns contos do gênero na década de 1960, ao passo que Brandão escreveu o romance experimental Zero e a distopia Não verás país nenhum nas décadas de 70 e 80 respectivamente). Mas hoje você não vê mais autores de fora do gueto escrevendo boas histórias de ficção científica. Cabe aqui um parêntese: o interessante é que o autor brasileiro até pode esperar um Roberto Bolaño ser publicado em português, mas se demorar muito ele vai à luta e compra a edição em espanhol, destrincha, percorre o labirinto e lê. Quer dizer, ele toma conhecimento do cânone (seja esse cânone oficial, acadêmico, moderno, modernoso etc.), seja com esse autor, ou com outro mais atual de outro país, como os EUA, a Inglaterra, a França. Mas para o mesmo acontecer com um autor de ficção científica este precisa virar cult, como Philip K. Dick (que morreu há vinte e sete anos), caso contrário nada feito.
4. O foco na alegoria. O escritor do mainstream de modo geral tenta fazer um breakthrough escrevendo com o foco na forma, e não no conteúdo, e não raro acaba escrevendo alegorias ou parábolas, à maneira dos contes philosophiques franceses. Isto não é um erro: os anos 1960 e 1970 estão cheios de ótimos exemplos narrativos de FC experimental cujo foco era voltado mais para a forma do que para o conteúdo, como Stand on Zanzibar, de John Brunner, ou Dhalgren, de Samuel Delany. Entretanto, não estamos mais nos anos 70, e o que vemos hoje é o retorno da narrativa clássica (leia-se clássica aqui não como conservadora, mas como conversadora, que dialoga com tradições, como Conrad, Balzac, Faulkner, Hemingway, Férenc Molnar, Érico Veríssimo), e a ficção científica só tem a ganhar com a versão século 21 desse diálogo.
5. Não me ocorre um quinto erro, ainda que pecadilhos existam vários.
Fábio Fernandes